A CGTP-IN, hoje como sempre, mostra-se disponível para discutir medidas que salvaguardem e reforcem a Segurança Social, mas deixa claro que não aceita que, em nome da sustentabilidade financeira, seja enfraquecido o direito à segurança social.

PROPOSTAS DA CGTP-IN SOBRE A SUSTENTABILIDADE FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL

29-10-2005

Conferência de Imprensa da CGTP-IN em 26 de Outubro de 2005

 

1. O Governo apresentou, em conjunto com o Orçamento de Estado para 2006, um relatório sobre a sustentabilidade da Segurança Social, em que faz uma análise à situação actual, e onde faz cenários sobre a evolução futura do sistema de segurança social. Mas, como refere o próprio relatório em vários momentos, "estes cenários deverão ser encarados com a devida reserva, devido à elevada sensibilidade dos resultados à variação dos pressupostos demográficos e macroeconómicos." Considerando, também, a necessidade de se prosseguir um debate aprofundado para garantir a sustentabilidade económica, social e financeira da segurança social.

A CGTP-IN tem vindo, desde há muito tempo, a propor, tanto ao Governo do PSD/CDS como ao do PS, que se concretizem as medidas que estão previstas no Acordo sobre a Modernização da Protecção Social, realizado em Novembro 2001, que elegeu um conjunto de áreas para a construção de um novo modelo de financiamento.

A CGTP-IN considera que o relatório agora avançado, se debruça muito pouco sobre as modalidades de financiamento da segurança social, quando esta questão é central, preferindo acentuar propostas de redução da despesa, restringindo os direitos, nomeadamente, no que se refere ao cálculo das pensões.

2 .O Governo, invocando a difícil situação financeira da Segurança Social, propõe medidas gravosas que reduzem os direitos dos beneficiários, e enfraquecem a salvaguarda de direitos adquiridos e em formação. Estamos perante um quadro em que, como no passado, se explora uma situação financeira difícil para fazer passar medidas restritivas. Tais medidas incluem alterações ao subsídio de desemprego e a revisão dos mecanismos de transição estabelecidos no novo cálculo das pensões, em vigor desde Janeiro de 2002.

3 .A Lei de Bases de 2000 (Lei 17/2000 de 8.8) estabeleceu que o cálculo das pensões de velhice e de invalidez tenha por base, de um modo gradual e progressivo, os rendimentos do trabalho, revalorizados, de toda a carreira contributiva. A CGTP-IN não só esteve a favor desta alteração como a reclamou. Sustentou a sua posição, antes de tudo, em razões de justiça social – todos os rendimentos objecto de desconto para a segurança social devem contar para o cálculo da pensão. O anterior cálculo permitia a manipulação da pensão por contribuintes com maior capacidade económica, o que introduzia desigualdade. E, ao considerar todas as remunerações descontadas no cálculo das pensões, estimulava a não declaração de parte dos salários numa parte da carreira – tratando de modo desigual os cumpridores que declaravam integralmente os salários recebidos face aos que o não faziam. A CGTP-IN entendeu, ainda, que o novo sistema de cálculo tinha implicações financeiras positivas porque os beneficiários passariam a ter razões adicionais para declarar as remunerações auferidas, o que permitiria reduzir a subdeclaração de rendimentos.

4 .Era preciso, porém, estabelecer as condições de passagem ao novo cálculo nos termos referidos, incluindo o respeito pelos direitos adquiridos e em formação. Essas condições foram negociadas e plasmadas num acordo de concertação social subscrito em 20 de Novembro de 2001 pelo Governo e por organizações sindicais e patronais. Foi previsto um período de transição não sendo o novo cálculo aplicado, nomeadamente a quem tivesse 15 anos de desconto no final de 2001. O novo cálculo e os períodos de transição passaram a ter força legal a partir do Decreto-Lei 35/02 de 2002. Este diploma entende tratar-se de um "período de transição amplo, porque necessário ao respeito daqueles direitos" [direitos adquiridos e em formação], como se lê no preâmbulo.

O que o Governo propõe no relatório, em relação ao cálculo das pensões, é o desrespeito dos compromissos assumidos há menos de 5 anos com consequências graves para os beneficiários.

5. Em relação ao subsídio de desemprego, a CGTP-IN tem-se vindo a pronunciar contra a saída precoce do mercado de emprego, expediente que serve sobretudo as empresas, para não investirem na qualificação dos seus trabalhadores. Mas está contra a redução de direitos, nomeadamente por via do enfraquecimento do princípio do emprego conveniente, com vista a forçar a aceitação pelos desempregados de novos empregos, não importando em que condições.

6. A CGTP-IN não nega que haja problemas financeiros, mas entende que se não resolvem enfraquecendo o princípio da salvaguarda dos direitos adquiridos e em formação, dos beneficiários. Em declarações na Assembleia da República, no final de Junho passado, o Ministro do Trabalho e da Segurança Social admitiu que a causa principal da presente situação se deve aos 4 últimos anos de estagnação económica e ao disparo da despesa com o subsídio de desemprego. A crise resulta sobretudo de causas "externas" à segurança social havendo ainda que acrescentar, na mesma linha, a estagnação do emprego e a sua precariedade. É para aqui que se têm que direccionar as principais medidas para melhorar a situação financeira – ou seja, para fazer crescer a economia, para melhorar os salários e para um emprego de qualidade.

7. Em 2001, subscrevemos com o Governo e organizações patronais um acordo de modernização da segurança social que contém, para além da já referida alteração da base de cálculo das pensões, propostas precisas para a melhoria e sustentabilidade da segurança social. Nelas se inclui: a diversificação das fontes de financiamento com medidas que deveriam ter entrado em vigor em Janeiro de 2003; a racionalização das várias taxas contributivas existentes; o desenvolvimento da capitalização através do fundo de reserva; o combate à fraude e à evasão contributiva.

Mesmo que se diga que as dificuldades se devem sobretudo à baixa do ciclo económico e ao agravamento do desemprego, o que é um facto é que, tais medidas de sustentabilidade financeira não foram tomadas.

8. A CGTP-IN não pode pois aceitar o argumento da situação financeira para justificar perante os beneficiários e a opinião pública o enfraquecimento do princípio da salvaguarda dos direitos adquiridos e em formação dos beneficiários. Uma tal medida reforçaria um sentimento de instabilidade que já existe e que se traduz na ideia de que o Estado é o primeiro a não honrar compromissos, traduzidos numa lei da República.

A CGTP-IN entende que a sustentabilidade da segurança social exige que se tomem medidas nas seguintes direcções:

 

1º Crescimento económico, emprego e salários

Não é possível melhorar a situação financeira da segurança social sem actuar ao nível das políticas estruturantes do sistema e envolventes: política económica para assegurar o crescimento económico; política dos salários; política de emprego. No emprego, os aspectos mais críticos são: o aumento da taxa de emprego dos trabalhadores mais velhos, particularmente os que têm mais de 50 anos; as elevadas taxas de precariedade laboral; a inscrição dos trabalhadores na segurança social.

A CGTP-IN defende que se deveria efectuar uma campanha nacional de sensibilização para promover a inscrição dos trabalhadores na segurança social de imediato à sua entrada na vida activa, já que, de outro modo, serão directamente penalizados no cálculo das suas pensões, porque este será baseado em toda a carreira contributiva bem como, em geral, no cálculo das prestações. Esta campanha deve também envolver a declaração de remunerações, já que é prática frequente a não declaração de todas as remunerações pagas. No domínio dos salários considera-se ainda de rever situações em que determinadas componentes das remunerações não são consideradas bases de incidência, sendo de destacar exclusões derivadas da intenção de facilitar os despedimentos (indemnizações por despedimento ou cessação do contrato de trabalho), bem como diversas remunerações acessórias.

2º Diversificação das fontes de financiamento

A diversificação das fontes de financiamento é um meio apontado na Lei de Bases para um mais adequado modo de financiamento tendo em conta a natureza dos subsistemas existentes. A aplicação da Lei de Bases e do diploma sobre o financiamento permitiu avanços que importa consolidar.

A CGTP-IN considera necessário prosseguir-se nesta via porque houve passos que ainda não foram dados e compromissos que não foram satisfeitos. O Livro Branco da Segurança Social refere um amplo leque de possibilidades: aumentos do imposto sobre o valor acrescentado, taxas sobre a poluição, aumento dos impostos sobre factores de risco (álcool, tabaco, jogo, desportos radicais, etc.), impostos sobre a riqueza, aumento dos impostos sobre os automóveis, contribuições das empresas sobre o volume de negócios ou sobre o valor acrescentado bruto, contribuições sobre amortizações, contribuição social generalizada (CSG), aumentos dos impostos sobre o rendimento, impostos sobre os movimentos de capitais (ex. imposto Tobin), aumento dos impostos sobre consumos de luxo, etc. Por sua vez, o Acordo de Modernização da Segurança Social apontou para um maior esforço de diversificação, designadamente, a extensão da base de incidência contributiva a outras fontes para além dos salários.

 

3º Despesa com as prestações de desemprego

A segurança social está a financiar o custo das reestruturações das empresas, através de esquemas de antecipação da idade legal da reforma por motivo de desemprego. Esta política tem custos sociais muito pesados: os trabalhadores saem excessivamente cedo da vida activa o que tem custos económicos; a segurança social é duplamente penalizada com aumento de despesas com o subsídio de desemprego e com as pensões. O Plano Nacional de Emprego preconiza a elevação da taxa de actividade dos trabalhadores mais velhos, o que significa que a antecipação da idade de reforma deve ser desincentivada. A actual legislação tem implícita a separação entre desemprego voluntário e involuntário para efeitos de acesso ao subsídio de desemprego, estabelecendo um controlo mais rigoroso sobre o desemprego involuntário, mas na prática estas normas não são cumpridas.

A CGTP-IN entende que esta protecção deve ser reservada exclusivamente a pessoas em situação de desemprego involuntário, objectiva e cabalmente comprovado, segundo critérios legais. Esta medida deve inserir-se no quadro de uma política sustentada que evite a saída precoce do mercado de trabalho, que actue em domínios como as políticas activas de emprego e de formação profissional e de segurança social.

 

4ºDespesas com as pensões mínimas

O país tem, por razões essencialmente históricas de desenvolvimento tardio da segurança social, conjugado com atrasos de desenvolvimento económico, uma elevado volume de pessoas com pensões muito baixas. Há hoje um consenso político de que estas pensões devem ser valorizadas, continuando o esforço para a valorização já que há medidas em curso e outras que têm que ser concretizadas num prazo relativamente curto. Porém, não há a mesma clareza quanto ao financiamento. É certo ter havido uma clarificação no sentido de que as pensões mínimas implicam um esforço que deve ser repartido por todos, pelo que os meios financeiros devem provir do OE. Mas há ainda pontos que se devem considerar.

A CGTP-IN entende que se devem contabilizar os custos globais destas medidas – pensões não contributivas; reescalonamento das pensões mínimas do subsistema previdencial; medidas extraordinárias, como a Prestação Extraordinária de Combate à Pobreza dos Idosos e outras –, para que o país conheça devidamente a dimensão financeira dos compromissos assumidos e do esforço que se exige para melhorar o nível de vida de população, cujos rendimentos são muito baixos. O financiamento destas despesas só pode ser efectuado por receitas provenientes de impostos, na linha do que já se consagra na Lei de Bases e na legislação do financiamento da segurança social.

 

5ºDívida de contribuições e combate à fraude e à evasão contributiva

A dívida de contribuições é muito elevada e tudo aponta para um elevado volume de fraude e de evasão contributiva. O Governo aprovou, em 22 de Abril, um Plano Nacional de Prevenção e Combate à Fraude e Evasão Contributivas e Prestacionais. Mas as medidas divulgadas são insuficientes, estão mais direccionadas para os beneficiários do que para as empresas e não têm devidamente em conta os compromissos constante do acordo de concertação social sobre a segurança social.

A CGTP-IN defende como medidas de carácter complementar às anunciadas: (1) a revisão do regime de contra ordenações da segurança social e solidariedade; (2) a instalação das secções de processos de execução da segurança social em todos os distritos do país; (3) o reforço dos meios e da acção de fiscalização; (4) a quantificação oficial dos custos resultantes da subdeclaração de remunerações; (5) a afixação nas empresas, em lugar acessível a todos os trabalhadores, de uma cópia da declaração de remunerações acompanhado do recibo de pagamento à Segurança Social; (6) uma maior transparência, devendo ser nomeadamente garantido: a divulgação mensal da execução das medidas do Programa na Internet; a publicação de estatísticas mensais sobre as contribuições, abrangendo o atraso no pagamento de contribuições; a publicitação de contribuintes com dívidas de contribuições; a apresentação de relatórios trimestrais sobre a execução do Programa ao Parlamento e ao Conselho Nacional de Solidariedade e Segurança Social; a divulgação dos resultados da acção de cruzamento de dados; a apresentação de relatórios trimestrais ao Parlamento sobre a aplicação da legislação sobre a regularização de dívidas de contribuições, de acordo com o que estabelece o DL 124/96 de 10 de Agosto.

 

6º Regime dos independentes

O regime dos independentes deve ser objecto de medidas específicas, atendendo aos baixos valores remuneratórios declarados (até agora, um salário mínimo, em regra); à redução da parte contributiva dos independentes; ao conjunto das receitas de contribuições; à necessidade de esclarecer a situação financeira deste regime. É de recordar que um anterior Governo PS aprovou medidas de combate à fraude e à evasão contributiva e prestacional, inseridas no Acordo de Concertação Social de 2001 com disposições específicas para os independentes.

A CGTP-IN considera que se deve: (1) alterar a incidência contributiva de modo a considerar os rendimentos efectivos do trabalho e não as remunerações convencionais; (2) tornar as Contas da Segurança Social mais transparentes, para que se possa saber quais são as receitas e despesas de cada regime, na linha do que se prevê no referido Acordo de concertação social; (3) fazer a avaliação da situação financeira dos vários regimes, com prioridade para o dos independentes para, se necessário, tomar medidas com vista à sua auto-sustentação; (4) autonomizar a gestão financeira (esta obrigação consta do art. 3 do Decreto Lei 328/93, mas nunca foi concretizada); (5) cumprir o que se estabelece no Acordo de Concertação Social de 2001.

 

7º Taxas contributivas

Há desequilíbrios na repartição do esforço e há múltiplas taxas contributivas. Há muito que se considera que deve haver uma apreciação global das taxas, sendo de referir o Livro Branco da Segurança Social e o Acordo sobre a Modernização da Segurança Social. Mas as medidas preconizadas, ou objecto de compromisso governamental, não foram concretizadas. O que se passou com os Governos PSD/CDS-PP é paradigmático: o Ministro responsável pela segurança social (Bagão Félix) concordou com a necessidade de racionalizar o sistema contributivo, sem deixar de criar novas taxas contributivas. O actual Governo pretende aprovar um Código Contributivo.

A CGTP-IN defende que o Governo deve apresentar uma proposta de unificação das taxas contributivas devidamente fundamentada, devendo ser quantificado o custo para o sistema das reduções e isenções actualmente em vigor. Defende também se deve por termo a uma política de concessão de isenções contributivas, como as que foram feitas recentemente em relação aos agricultores. Os apoios do Estado, quando socialmente justificados, nunca devem penalizar a segurança social. Assim, a CGTP-IN reclama a substituição destas isenções por outras formas de apoio.

 

 

8º Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social

As verbas destinadas ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social declinaram nos últimos três anos, sendo invocadas razões económicas adversas para não proceder às transferências previstas de contribuições. Porém, esta situação debilita um instrumento essencial de sustentabilidade financeira.

A CGTP-IN defende que o Governo deve quantificar a parte que o Fundo não recebeu de modo a compensar o fundo das verbas não transferidas no futuro. Sem prejuízo da consagração e aplicação deste princípio, defende a afectação de receitas extraordinárias ao Fundo, nomeadamente do montante dos benefícios atribuídos aos rendimentos das mais valias concedidos aos titulares com acções quando estas permanecem na sua posse há mais de um ano.

9º Transparência do Sistema de Segurança Social

O sistema de segurança social exige rigor e transparência, o que impõe o conhecimento das contas da segurança social atempadamente, dos devedores do sistema, da desagregação das receitas e das despesas no regime previdencial nos vários subsistemas, assim como das receitas enviadas pelas instituições do Estado para o regime previdencial e das respectivas despesas e ainda, o funcionamento regular dos órgãos de participação.

A CGTP-IN, hoje como sempre, mostra-se disponível para discutir medidas que salvaguardem e reforcem a Segurança Social, mas deixa claro que não aceita que, em nome da sustentabilidade financeira, seja enfraquecido o direito à segurança social.